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maio 29, 2011

Em um mundo Melhor

Título: Hævnen / In a Better World / Em um mundo Melhor
           2010, Susanne Bier

- Are you afraid?
- That's not the point. You don't go around beating people up. Nobody benefits from that. What kind of world would we live in then?


De forma paralela, são contadas duas histórias: a de Elias, um menino com cara de rato, de criação pacífica, que tenta se manter distante em vão, pois é alvo constante do bullying na escola. Elias tem mãe, um irmão mais novo e um pai, que é médico e passa a maior parte do tempo na África ajudando as pessoas; e tem, como conseqüência, um acúmulo de problemas conjugais. E temos Christian, aquele que vive com a cara fechada e olhar estreitado, que carrega em si uma carga de frieza e grande maturidade para alguém de sua idade. Acabou de perder a mãe e se mudou com o pai para a casa da avó, que mora em uma cidade da Dinamarca.

E é aí que as duas histórias viram uma só.  

Elias e Christian estudam na mesma escola, estão na mesma sala, dividem a mesma carteira e tem a mesma data de aniversário, mas não é só por isso que os dois se tornaram próximos. Na primeira vez que Christian testemunhou Elias sendo vítima de implicâncias, reagiu, mas acabou voltando para casa com o nariz sangrando. Ao contrário de Elias, porém, ele não ia deixar barato ― até porque ele detesta gente que desiste e deixa barato.

Esse é um filme que prende muito a atenção, um tanto impactante, que faz parecer que estamos o tempo todo na ponta do telhado de um alto prédio e de olhos mais arregalados do que alguns emoticons do MSN, o que faz da história algo muito difícil de dar pauses à toa. Aquele ar gelado que encobre toda a trama aplica até certo medo em quem assiste e consegue transmitir a real profundeza do problema, não só do tão falado bullying, mas desse ciclo aparentemente infindável da violência cotidiana e dos diferentes valores de pensamento e criação, onde não se sabe bem se há certo ou errado.

É um longa digno, finalmente, dos prêmios que recebeu ― e poderia ter sido até mais reconhecido, ter ganho mais notoriedade, mas… enfim, isso é outro papo. Isso já é muito bom, já é um bom começo. Impossível não destacar a atuação de William Johnk Nielsen, que interpreta Christian (muitíssimo bem) ― e o detalhe é que este foi seu primeiro filme; o segundo ainda está sendo filmado (Dronningen og livlægen, 2012).

Extra! – Em um Mundo Melhor ganhou o Oscar e o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro. Sendo o segundo, dos cinco filmes da diretora, a concorrer nesta categoria.



maio 24, 2011

Apenas o Fim


Título: Apenas o Fim
           2008, Matheus Souza


- E agora?
- Agora é o resto das nossas vidas



Apenas o fim. É exatamente isso. O fim. "Ou você achou que seria para sempre?”.

No caminho para fazer uma prova na faculdade, Antonio (Gregório Duvivier) é abordado pela namorada (Erika Mader), dizendo que vai embora e que eles tem apenas mais uma hora juntos. Esses 60 minutos são passados, então, entre conversas sobre o passado e previsões sobre o futuro. Em paralelo, flashbacks em preto e branco com os dois falando sobre seus gostos enchem a tela.

Logo de cara é possível perceber que a decisão dela não é baseada em falta de amor. Numas das cenas, a tela se divide em duas e mostra Antonio no banheiro masculino chorando enquanto ela o espera do lado de fora, chorando também. Depois tudo volta ao normal e eles fingem que o momento de fraqueza nunca aconteceu. Ela está passando por uma daquelas fases em que você não se sente confortável fazendo os mesmos passos todo dia. Para tanto, ela tem que deixá-lo. E ela o fará.

Toda a nerdice aparente nele, a necessidade de mudança dela, o amigo nonsense e fofoqueiro e os comentários envolvendo Playstation e Mario Bros, Pokémon e Cavaleiros do Zodíaco, Filmes do Bergman, Amoras e Laranjas, Mafalda, Orkut, fazem com que seja impossível não se identificar com as personagens e diálogos trocados. Mesmo o filme tendo temáticas bem pós-adolescentes. Ou talvez exatamente por isso.

Um filme de baixo orçamento, filmado em sua maior parte dentro campus da PUC-Rio, estreia de um diretor de apenas 20 anos. Mas não se engane. Ele talvez não vá aparecer nos seu top 10, mas com certeza não pode ser menosprezado. Serão 80 minutos bem empregados.

Extra! - o filme ganhou prêmios de Melhor Filme do Júri Popular e Menção Honrosa do Júri Oficial no Festival do Rio 2008 e o Prêmio de Melhor Filme do Júri Popular na 32ª Mostra de São Paulo.


maio 19, 2011

O Pequeno Nicolau

Título: O Pequeno Nicolau / Le Petit Nicolas
           2009, Laurent Tirard


Se eu soubesse, teria pedido um cachorro



O que uma redação de tema tão primário pode trazer? Quando a professora de Nicolau pediu para que escrevessem sobre aquilo que queriam ser quando crescessem, todas as cabeças se abaixaram para dar atenção única e exclusivamente para o papel que gravaria suas ambições e sonhos enquanto crianças a respeito do futuro. Mas, francamente, Nicolau só abaixou a cabeça pra tentar tirar uma idéia da redação dos colegas. Ser quando crescer? Mas por que crescer, crescer pra quê? Nicolau está muito bem do jeito que ele está. Vive uma infância feliz, leve e totalmente despreocupada. Mudar isso não está em seus planos imediatos.

Bem, seus dias estariam totalmente despreocupados se não fosse pelo fato da vida de Joaquim, um colega de classe, ter mudado tragicamente desde o nascimento de seu irmão. O quadro piora quando este some sem deixar rastros, confirmando todas as suspeitas que circundavam a mente de Nicolau e dos amigos ― suspeitas essas que envolvem o menino sendo abandonado em uma floresta. Como se não fosse o bastante, Nicolau começa a desconfiar que terá o mesmo destino do amigo bem em breve; e daí uma grande campanha para que isso não ocorra é iniciada.

É absolutamente genial. Na verdade é tão simples que nos faz indagar o porquê de não termos visto antes. Ao mesmo tempo em que me faço esta pergunta, já me respondo: o universo infantil fica muito difícil de traduzir conforme vamos envelhecendo, é um fato. Vamos esquecendo ou deixando a vida adulta criar uma grande neblina que nos impede de enxergar o quão fascinante o espírito de uma criança pode ser. Daí a grande surpresa com O Pequeno Nicolau, pois há um acerto muito bom nessa questão ― o longa mostra a infância tal qual ela é em sua inocência. Uma representação tão boa da infância só mesmo feita por Bill Watterson, com as histórias de Calvin e Haroldo. Aqui a velha história de sofrimentos e mudanças bruscas como estamos acostumados a ver é dispensado, dando lugar a uma boa e leve comédia.

Não saberia dizer se O Pequeno Nicolau é um filme de criança para crianças ou de criança para adultos, mas uma coisa é certa: quem nos dera ter mais histórias assim! Destaco o clima dos anos cinqüenta na França, além das atuações impecáveis, cheias de química e hilariantes de Valérie Lamercier (Sabrina, de 1995) e Kad Merad (Eu Estou Bem, não se Preocupem!, de 2006), que interpretam os pais de Nicolau ― ah, claro, as crianças definitivamente merecem destaque neste quesito também.


Extra! - O filme é inspirado em Le Petit Nicolas, obra criada em 1959 por Jean-Jacques Sempé René Goscinny, cocriador de Asterix.

maio 17, 2011

Mamãe Küsters Vai Para O Céu

Título: Mamãe Küsters Vai Para O Céu / Mutter Küsters Fahrt Zum Himmel
           1975, Rainer Werner Fassbinder

Esta foi realmente a nossa vida? Eu não sei. 
Nas profundezas do vale, tudo o que pode-se ver
são as montanhas. Mas no topo de uma montanha
vê-se muitos outros vales e montanhas.

                                                                          
         

Rainer Werner Fassbinder foi certamente a figura chave do Novo Cinema Alemão – movimento que se deu na Alemanha entre as décadas de 60 e 80 que visava resgatar o cinema Alemão, em baixa desde o desfecho da Segunda Guerra Mundial. Com uma energia aparentemente infindável, ele dirigiu 44 filmes em 16 anos, e mesmo que todos estes filmes não sejam propriamente brilhantes, ele construiu uma obra digna de atenção e estudos.

Mamãe Küsters Vai Para O Céu surgiu na que talvez tenha sido a fase mais louvável do diretor, ou, pelo menos, a que o rendeu o sucesso internacional. Neste filme de 1975, Fassbinder desenvolveu uma crítica ácida tanto à mídia sensacionalista quanto aos Partidos políticos que naquela época já começavam a cair em um comodismo que atualmente consideramos habitual.

O filme é iniciado com uma cena que exala rotina, Emma Küsters (Brigitte Mira, O Medo Devora A Alma), uma senhora de meia idade, prepara um cozido para o seu marido que está para chegar do trabalho enquanto conversa coisas banalíssimas com sua nora (Irm Herrman, O Mercador Das Quatro Estações) e seu filho (Armin Meier, Roleta Chinesa), que moram com ela. Logo após ficamos sabendo, junto a estes personagens, que o marido de Emma nunca chegará em casa, pois assassinou o filho do seu patrão e se matou na maquinaria da fábrica em que trabalha.

O que se dá a partir daí é uma série de infortúnios com a pobre Emma Küsters, que é abandonada pelos filhos, usada pela mídia, e enfim, explorada por um casal de comunistas e um grupo de anarquistas, que usam o feito do seu marido como ato de rebeldia proletária.

Brilhantemente fotografado no consagrado estilo Kitsch do diretor, e contando com os melhores atores do elenco habitual usado nos seus filmes (só faltando a Hanna Schygulla), Mamãe Küsters Vai Para O Céu se desenrola entre o trágico e o satírico, um mecanismo sádico que simultaneamente nos faz rir e sentirmos pena da pobre Mamãe Küsters enquanto o seu mundo vai abaixo. Um Fassbinder essencial.


Extra! – O filme foi banido do Festival de Berlim por ter sido considerado uma crítica demasiadamente mordaz e controversa ao socialismo liberal e o sistema político Alemão.